Estava sentado em uma cama de hospital, bebendo um líquido laranja adocicado demais para seu paladar que a essa altura já era quase ausente. Apenas engolia, imaginando o líquido percorrendo todo o seu sistema digestivo. Se sentia sozinho. Tinha vontade de chorar, mas não podia dar esse gostinho a eles. "Eu sempre te alertei e te avisei" Disse o meu pai. Olho com cara de desdém, mesmo sabendo que ele tem razão. Peço para ele se retirar do quarto, não quero mais ver ninguém. Olho para a janela que existe ao lado da cama bem arrumada, e fico ali por longos instantes observando uma mulher de meia-idade colocar uma criança pequena no banco de trás, suponho que seja sua filha. Ela tinha um ar preocupoado. Fiquei imaginando o motivo de sua aflição, talvez um parente doente em fase terminal. Me senti constrangido naquele momento. Pessoas não escolhem morrer. Pessoas naturalmente não escolhem morrer. Eu escolhi. Ele me pareceu agradável quando eu ainda era exatamente vivo. Não que eu estivesse morto, mas aquilo que me seguia não podia ser chamado, exatamente, de vida. Vida era uma palavra muito forte que ainda tinha o poder de me assustar. Reações humanas me eram estranhas. Palavras como dormir, respirar, comer e andar tinham um significado um pouco distorcido para mim. Acendi um cigarro, sem me importar se aquilo era ou não permitido ali na sala de leito. logo percebi que não era permitido pelo olhar fuzilante que uma enfermeira me lançou da porta. Apaguei ele rapidamente, antes de causar transtorno. Transtorno era algo a que eu já estava habituado e não precisava de mais algum. Estava numa fase foda-se, tanto faz. Morrer ou viver não diferia em nada um do outro. Estava onde queria estar. Seus pensamentos foram rapidamente afastados pela dor excruciante de seu estômago. Se revirou e caiu no chão. Gritou por ajuda e meia dúzia de enfermeiras e um médico invadiram, às pressas, a sala branca e com cheiro típico de hospital. Seguraram-me pelos braços e tentaram em vão colocar-me em cima de uma cama que estava próxima. Continuei no chão, apenas esperando a minha hora, que eu sabia que não iria tardar. Uma lágrima caiu e eu não pude segurá-la, estava ali no chão, sendo hostil com qualquer pessoa que lhe lançasse olhares. Detestava a idéia de sentirem pena de si. Porra! Ele escolhera estar ali, naquele lugar, exatamente como estava. O grande dia havia chego. Só lhe restava esperar.
...
Abriu os olhos lentamente, e se lembrou vagamente do que havia ocorrido. Escutou médicos dizendo coisas como "ruptura gástrica". Percebeu que se tratava de si mesmo. Suspirou profundamente, já cansado daquela brincadeira toda. Decidiu que aquela seria a hora. Precisava ser. Agarrou o tubo do soro e jogou longe. Seguido do estardalhaço, riu baixinho e disse: Tchau, bando de bastardos idiotas.
7 comentários:
Amei!
Achei muito interessante a visão de dentro do seu corpo, e logo após um momento mais externo,como que mostrando a falta de lucidez nos momentos finais...Si próprio não conseguindo transmitir aquela loucura.
Parabéns, já estou ansiosa pelo #2!
Amei!
Achei muito interessante a visão de dentro do seu corpo, e logo após um momento mais externo,como que mostrando a falta de lucidez nos momentos finais...Si próprio não conseguindo transmitir aquela loucura.
Parabéns, já estou ansiosa pelo #2!
Engraçado esse texto ser postado justamente no dia do meu aniversário.
Mais engraçado ainda é o fato de que daqui a um ano, ou até menos, você ter certeza que vai viver algo parecido com o que foi escrito.
Enfim... continue escrevendo.
:*
não sei, suicidas não me apetecem muito...
morri! meus dedos estao gelados demais pra escrever algo coerente mas sei que não gosto de morte/suicidas/hospital etc
o pior disso tudo é ler um texto desse e pensar: "eu o compreendo" ou então "eu poderia (e ainda posso) estar no lugar dele".
e no fim das contas, esses pensamentos não me assustam.
;x
ninguém entendeu que isso não foi um suicídio. E sim o desejo tão forte de morrer naquela hora, que isso acabou realmente acontecendo.
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